quarta-feira, 16 de junho de 2010

Work in progress ( ainda sem título)

Ainda escrevendo...
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Sentada num banco de praça, em meio a pessoas, pombas e crianças alegres de nariz escorrendo, ela pensava na vida, e no que fazer em seguida.

Os últimos acontecimentos estavam martelando como uma banda inteira dentro de sua cabeça, milhões de coisas a resolver e nenhuma solução coerente.

O último verão havia sido impiedoso, muitas coisas haviam mudado em sua vida, sem aviso prévio e ela ainda não tinha conseguido colocar as coisas em ordem, na verdade andava fugindo disso.

Ali sentada, observava as mamães sorridentes e cansadas, olhando seus filhos esfolarem o joelho na areia suja do parquinho. E pensava que talvez um dia, num passado distante, poderia ser ela a fazer isso. Mas a vida havia lhe levado para outro rumo. Algumas decisões erradas, um punhado de situações inusitadas e muita falta de bom senso.

Após algumas horas sentada ali, tentando colocar as coisas em ordem, separar os pensamentos em sua cabeça, resolveu ir para casa, já estava começando a cair a tarde, e o friozinho do inicio do outono já mostrava sua cara.

Recolheu o jornal que havia deixado espalhado no banco, enfiou em baixo do braço e saiu caminhando rumo a saída do parque. No caminho não pode deixar de notar que todos pareciam seguir suas vidas como formigas, em uma rotina diária,que não se alterava além do sabor do refrigerante nos casos mais ousados.

Pareciam inclusive andar em fila indiana, com movimentos mecanizados e sincopados, seguindo um ritmo que não era o dela. Enquanto caminhava, o ritmo imposto pelas pessoas na rua parecia fazer ruido, como um bumbo que tocava ditando o ritmo dos remadores nos navios. E o som foi ficando cada vez mais claro, e em meio a cadência, já era possível ouvir ordens. -- Faça isso, corte aquilo, puxe lá, mais rápido!

Ela era alérgica a rotina, a qualquer forma de rotina, nunca tomava o mesmo caminho para um lugar duas vezes seguidas, variava os lugares onde fazia compras, tudo que pudesse impedir o marasmo e a falta de criatividade.
Odiava filas, bancos e qualquer outro tipo de lugar burocrático, tudo que a fizesse se sentir um número. Curiosamente aos 16 anos, escondida de seus pais, tatuou na nuca um código de barras em protesto silencioso a pasteurização da sociedade.

No auge de seus 32 anos, já havia se conformado que não iria se casar, nem ter filhos, não seguia a moda, nem qualquer tendência passageira, e tinha uma ojeriza especial pelo lixo tecnológico imposto pela mídia. Computadores, celulares, GPSs, tudo muito rápido, muito inútil e exagerado. Plástico desperdiçado e milhões de chineses e coreanos estressados e mal pagos. Seu ex marido dizia que ela tinha um tal de TOC ( transtorno obsessivo compulsivo) por fugir de padrões e normas, que tirando as leis ela transgredia qualquer coisa na tentativa desesperada de ser diferente de todo o resto.

Chegando a portaria do prédio onde morava, um daqueles prédios antigos, com apartamentos enormes, mas que tem um aluguel proporcional ao número de furos no encanamento e ratos na garagem, foi parada pela sindica, uma senhora já de certa idade, mas que fazia questão de aparentar tem 25 anos a menos. Obviamente que ela não conseguia, mesmo em baixo de todo o reboco que passava na cara.

--Minha querida, boa tarde, preciso lhe avisar que amanhã teremos manutenção no encanamento do seu bloco, então sugiro que se abasteça de baldes, pois pode levar o dia inteiro. A "caridosa" velhinha, que era conhecida como a única beneficiada do mensalão do condomínio na zona oeste de SP, sorria de maneira quase gentil, de baixo das 5 aplicações de botox pagas com a mensalidade dos condôminos.

Sem dar atenção a síndica, Ela apenas assentiu com a cabeça sem lhe encarar, não queria dar margem para um diálogo, já sabia muito bem o tipo de conversa que viria em seguida. Pensava apenas, -- não faça contato visual, continue andando e fique firme.Seguiu caminhando com passos largos ate a segurança do elevador, onde apesar de saber que o porteiro a estava espiando e babando em seu decote, ela sentia que estava a salvo da síndica e dos vizinhos. Afinal em elevador ninguém passa de um "Bom dia", ou um "Nossa vai chover de novo".

Desceu no 8º andar, e colocou a chave na porta, girou o trinco e deu de cara com o caos de seu apartamento. Coisas espalhadas por todo lado. Livros empilhados em lugares estranhos,CDs fora das caixas, roupas pra passar sobre o sofá antigo, que mais parecia ter saído de um filme de época. A sala espaçosa permitia que os objetos fossem dispostos como se tivessem sido lançados por um tornado, caindo ao acaso por todo canto. Mas Ela sabia exatamente onde estava cada coisa. Uma vez uma amiga pensando em ajudar, mandou uma faxineira pra arrumar a casa. Realmente, o apartamento ficou lindo, organizado, quase habitável. Mas rendeu dias de desespero a sua inquilina. Achar as anotações de trabalho foi impossível. Ela sempre fora adepta da bagunça organizada.

A vida começa numa foda...

Republicando... dessa vez sem o final... deixo ao acaso, escolha você o fim. Eu desisti de tentar.

Esse texto tem um 6 meses ou mais. E foi escrito em resposta à crônica de um amigo. Quem sabe um dia eu consiga postar a dele aqui, garanto que é infinitamente melhor rs.
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Então a vida começa com uma foda. Pernas, braços e gemidos para todos os lados. Ou então, com mamãe olhando para o teto e pensando em pinta-lo de bege.

Uma tropa de coisinhas esquisitas, cabeçudas, começa a subir por um túnel em corrida desesperada pra chegar até o cobiçado alvo. Se digladiam, se contorcem, atropelam uns aos outros. O mais forte e capaz… mentira… o mais espertinho, consegue atingir o alvo. Afinal o mundo é dos espertos.

Nos primeiros 2 meses você escuta sua mãe praguejando por estar enjoada e é bombardeada por uma carga massiva de comidas esquisitas. Te obrigam a ouvir música, com a “intenção” de acelerar seu desenvolvimento e te ligar ao mundo. Aos 6 meses já escuta seu pai resmungando que só poderá casar aos 30, e você nem sabe o que isso quer dizer. O que afinal é esse tal de casar?!

Então você nasce. Recebe uma chuva de “lindinha, coisinha fofa da vovó”, te metem uma agulha na orelha com o pretexto de que é pra ficar mais feminina. Afinal como qualquer outro bebê você tem cara de joelho e não tem como saberem seu sexo sem tirar suas fraldas. Ou então por pura vaidade exagerada de sua mãe, que a essa altura já está com a autoestima no cu do Judas.

Com poucos meses, você mal tem cabelo, mas insistem em fazer chiquinhas e te enfeitar com laçarotes. Curiosamente o cachorro de sua mãe anda vestido de maneira semelhante. Vestido de babado e lacinhos na cabeça. Aquela sua tia sem noção já até fez menção de lhe comprar um par de sapatinhos de salto, mas no fundo está doida pra te dar seu primeiro soutien.

Com 1 ano de idade te colocam numa “escolinha” , mais conhecida como depósito de crianças. A essa altura sua mãe já desesperada, precisa urgentemente de descanso, e seu pai, que não tem a menor vocação nem vontade, aceita prontamente. Você descobre que existem outros como você neste mundo, e percebe que não está sozinha na angustiante jornada da vida.

Você fala “mãmã” (praticamente um milagre da fonoaudiologia) e seu pai quase tem um ataque de ciumes. O velho passa dias repetindo aos berros em seu ouvido – Fala “Pápá”?! Vai filhinha, “pápá”… Então você olha para aquela coisa, grande, alta, corpo volumoso, cheiro estranho, de voz grave e assustadora e começa a chorar aos berros… “Mámáaaaaa”!!

Quando começa a andar todos comemoram, menos você. Por que de cima o tombo é maior e aquela sua tia sem noção, te veste a maldita sandália de saltinho, o que dificulta todo o processo. Nessa altura do campeonato, já aparenta como uma menina, não tem mais aquela cara enrugada de joelho. E sua mãe toda vez que vai trocar sua fralda faz menção a uma florzinha, ou então nos dias de TPM, solta logo um perseguida mesmo. Sim a TPM acompanha as mulheres desde o berço.

Você vive se coçando por causa das rendas e babados. Aprende cedo o que é dor de cabeça, de tanto que repuxam seu cabelo na hora de amarrar, quanto mais brega melhor. Tua mãe te lota de bonecas assustadoras, com olhos de plástico espelhado e diz que você tem que cuidar do seu nenêm. Sendo que a única coisa que realmente gostaria era de poder puxar o rabo do gato como seu irmão faz.

Aos 3 anos, não é mais uma menininha, é uma mocinha! Te vestem como uma paquita em miniatura, de botinha de salto, saia jeans e chiquinhas coloridas. Passa a então sempre escutar de seus pais que deve sentar de pernas fechadas, pois já é uma “mocinha”, e mocinhas não podem sentar de pernas abertas como os meninos. Sem entender nada, você não liga, e sempre toma uma bronca por sentar no chão. Afinal por que te pedem pra sentar de pernas fechadas ao invés de te vestirem calças? Sexismo dos infernos.

Aos 6 anos te mandam para a pré escola, e lá você faz uma descoberta incrível. Essa com certeza vai mudar sua vida. Enquanto brinca com suas “amiguinhas”,(que muito em breve serão suas rivais), um garoto vem e te da um tapa. Você corre para a professora chorando, indignada por ter apanhado, e a professora, com a maior cara lavada do mundo, lhe explica que, o menino te bateu por que gosta de você. Aquilo não faz o menos sentido, afinal teus pais te ensinaram que bater é errado e que não batemos em quem gostamos. Mas com o passar do tempo essa mensagem vai sendo incutida em seu subconsciente, de modo que você passa a aceitar.

Mãe não te veste mais de paquita e sim um misto de Madona com Pocahontas. Olhando no espelho a antítese fica clara, trancinhas amarradas com elástico de bichinho (quanto mais cintilante, melhor), contrastam com a micro saia jeans desfiada, meia calça de rendinha branca e sapato de salto plataforma, cor de rosa, claro!

Quando entra no primário, por volta dos 7 anos, percebe que todas as garotas vão ao banheiro acompanhadas de suas “amigas”, e pensa que talvez isso seja um substituto às suas mães, afinal elas tem que ter alguém para limpar seu “bumbum”. Em seguida percebe que é só uma desculpa para a fofoca, é quase um ritual feminino, que até os dias de hoje a antropologia não foi capaz de explicar.

Até que um dia, numa dessas idas coletivas ao banheiro, você escuta uma conversa onde as garotas falam de um tal de “Chico”, com tanto ódio no coração quanto é possível. Esse cara deve ser muito mal mesmo. Mas ao mesmo tempo parecem orgulhosas de conhecer esse tal Chico. Outra iluminação, definitivamente as mulheres tem distúrbios emocionais.

Se você der muito azar, aos 9 conhece o tal do “Chico”. Sua mãe fica toda orgulhosa, dizendo que agora já é uma mulher, que deixou de ser uma menininha. E seu pai sai correndo pela porta aos berros gritando – Mais uma Nãoooo!!!

Tua mãe te ensina a usar um absorvente, que nada mais é do que um substituto mensal para as fraldas que usava quando bebê. A primeira ida a farmácia é inesquecível, sua mãe faz questão de mostrar a todos no estabelecimento que você teve sua primeira menstruação, o que te causa um certo trauma e seu primeiro grande constrangimento em público. Em seguida te explica que agora não pode mais andar com os meninos (como se você fizesse isso) e te conta casos horríveis de meninas que apareceram em casa com uma barriga enorme. Para as mais avantajadas intelectualmente, é o primeiro sinal de que a sociedade é hipócrita.

Teu pai volta depois de horas com uma cara nunca vista e passa a te olhar de canto, como se você fosse uma criatura terrível, que vai lhe devorar as entranhas a qualquer momento. Um perfeito animal acuado. Ele passa a resmungas aos sussurros pela casa, te observando e seguindo todos os seus movimentos.

Nesse momento seus hormônios dominam seu humor, e você descobre a TPM, que alguns conhecem como Tensão pré menstrual. Aquele monstro de olhos violeta, que te faz querer matar qualquer um que sair um milímetro da risca que você impuser no momento. Com o passar dos meses você jura que o certo seria “tensão pré, perante e pós menstrual”, sim tudo muda, você passa a viver atada a seus hormônios. E todos os meses quando sente cólicas horríveis, dores de cabeça e no corpo, as pessoas te olham como se você fosse uma criatura dramática.

Aos 11 aquele menino que te bateu na pré escola comenta que você já tem peitos, ri desesperadamente da sua cara, mas fica ruborizado em seguida, curioso não? Com certeza na volta pra casa ele vai se trancar no banheiro, ou se for mais liberal vai no banheiro do colégio mesmo. Você encara aquela atitude do seu “amiguinho” como bonitinha e ao mesmo tempo ultrajante. Mas já aprendeu que ser agredida por garotos é sinal de estima.

Aos 12 escuta suas “amigas” falando de masturbação e decide experimentar. Pergunta a elas como funciona e te contam em detalhes o que leram numa dessas revistas femininas. Ainda falam que pra funcionar você deve pensar em alguém, um cara mais velho de preferência. Na mesma hora se lembra de seu pai, mas algo te diz que isso é errado.

Vai pra casa, se tranca no quarto e se prepara para a tal bolinação de que lhe falaram. Se olha no espelho, observa seu corpo e fica na dúvida se realmente vai funcionar. Aperta daqui, alisa dali. Quem disse que isso era realmente fácil? Tenta mais uma vez, fecha os olhos e começa a acariciar sua barriga descendo pela pélvis até chegar na perseguida, era assim que suas amigas falavam, então lembra que deve pensa em algum alvo e escolhe o ator de novela que sua mãe tanto comenta, começa a apertar mais um vez, até que seus dedos encontraram o lugar certo você se assusta com o que sente. Na segunda vez você já está pra la de craque.

Sua vida muda completamente. Passa a ver os meninos de outra forma, começa a procurar por algum que substitua o tal ator de novelas. Suas conversas com as “amigas” giram sempre em torno de algum garoto mais atraente do colégio. A essa altura sua mãe percebe que tem algo diferente e resolve ter uma conversinha de mulher para mulher (isso se sua mãe for uma mulher inteligente, se não a tal conversa não vai existir), te explica como os bebês nascem, e o que é preciso pra isso acontecer (e você pra não contrariar a “velha” , faz de conta que tudo é novidade. As tais reuniões no banheiro feminino têm sua serventia). Seu pai escuta por trás da porta a tal conversa e perde 30% dos cabelos, assim como ganha alguns milhares de fios brancos e uma úlcera.

Ao mesmo tempo descobre que as tais “amigas” não são amigas porcaria nenhuma, e sim concorrentes. Você tem que estar sempre mais arrumada, bonita e cheirosa que as outras. Mas fazer de conta o tempo todo de que as adora e não vive sem elas. Aprende que pra sobreviver entre mulher tem que ser dissimulada. A concorrência é desleal.

No dia seguinte teu pai te para na porta e manda trocar de roupa, com uma feição furiosa, como se você tivesse matado a mãe dele. As roupas que sempre te fizeram vestir (as micro saias com botas plataforma, e os micro shorts) não são mais bem vindos sob o teto dele. Mas suas amigas continuam a se vestir assim, então você passa a levar uma muda de roupa na mochila, e sempre se troca no banheiro de algum lugar. Borra a cara toda de maquiagem, achando que tem milhões de defeitos a esconder, folheia as revistas de moda e percebe que seu corpo não é perfeito como deveria, e passa a sentir complexo de si mesma.

Aos 14 (se for mais saidinha), arruma um namoradinho e perde a virgindade ( essa parte merece um texto a parte rsrs). Nessa altura teu pai compra uma carabina e passa a andar com ela para cima e para baixo. Mas o tal namoradinho não sabe te dar um orgasmo, vo cê e seus milagrosos dedos fazem o serviço muito melhor.

Então você passa a ficar com vários diferentes na tentativa de encontrar um que te satisfaça. Tua mãe passa a te ver como garota problema, te leva ao ginecologista (outra parte que merece um texto individual) e te passa um sermão do tamanho do mundo, falando de promiscuidade, que seu pai não pode nem sonhar que você já faz sexo, se não ele pode morrer infartado.

Mamãe te leva para ver seus avós e fala da felicidade de ter uma família, fala da beleza de constituir uma família, mas no fundo tudo o que ela queria era ter terminado a faculdade e ser micro empresaria, mas a gravidez inesperada interrompeu seus planos.

Aos 15, sua família passa a cobrar de você que estude para ser alguém na vida, para que seja independente e capaz de se sustentar sozinha, te perguntam o que gostaria de ser quando crescer e você para o choque de todos, fala, dançarina de axé. Teu pai suspende sua mesada e tua mãe tem uma crise de choro e se pergunta – Onde foi que eu errei!?

Aos 16, um dos seus muitos “namoradinhos” te engravida. Bem, os dois fazem isso juntos. Finalmente um que sabe o que está fazendo. Você se desespera e conta apenas pra uma tia (aquela da sandália de saltinho), que te leva a uma clínica clandestina onde faz um aborto. Você entra em depressão, mas esconde isso de toda forma. Mulher aprende cedo a esconder o que realmente sente.

Entra em crise existencial e passa a ser bulímica, na tentativa desesperada de vestir um manequim 36 como suas amigas e as modelos nas revistas. Convence sua avó a pagar um curso de dança, dizendo que é um exercício, e exercícios são saudáveis. Fala que vai fazer balé clássico, mas na verdade se inscreve para os cursos de funk e axé.

Aos 17 entra pra faculdade, sob uma chuva de “Vivas” e “muito bem”. O curso de secretariado parece pra lá de suficiente. Descolore os cabelos, ate quase ficarem brancos a moda de Lady Gaga, afinal ela é pop, e tudo o que é pop chama atenção. E isso é tudo o que você absorveu como certo. Para sobreviver na selva da adolescência moderna é preciso ter destaque.

No curso de secretariado, ao invés de aprender outra língua e algo de útil para a profissão, passa a frequentar os bares e ficar com todo garoto mais “bonitinho” que encontra. Ganha fama de piriguete, mas não liga pra isso, afinal toda publicidade é bem vinda, até pensa em mudar seu curso para Marketing. Falsifica uma carteira de identidade para poder frequentar casas noturnas e lá conhece um “produtor” de TV. Este por sua vez, jura que pode te levar para o meio artístico (ja que você é uma pessoa muito “articulada” e “carismática”).

Você faz o tal teste do sofá e te mandam para dançar (em caráter de experiência) em um desses programas dominicais, toda orgulhosa, você rebola como nunca para as câmeras e acho tudo aquilo maravilhoso. A essa altura seu pai que tem 40 e poucos, aparenta ter 60 e muitos. Sua mãe toma ante depressivos e enche a cara de gim tônica todos os dias.

Então você se forma em secretariado e trabalha como dançarina de programas de Domingo, até que um dia é chamada para fazer um teste para uma novelinha de um canal aberto qualquer. Mas não preenche o perfil desejado. Não é tão “talentosa” quanto gostariam. Como último recurso, decide se inscrever para o BBB, preenche as fichas e manda fazer uma “simpatia” pra que você seja aceita. Sua tia disse que funciona.

De repente se olha no espelho e mesmo com as horas de malhação e dança insiste em achar que está com uma barriga enorme! Inferniza seus pais durante meses pra que te paguem uma lipoaspiração, já que todo o dinheiro que ganha com o “trabalho” é gasto em roupas de marca e baladas. Finalmente vencido pelo cansaço, seu pai que já se resignou, lhe da o dinheiro da cirurgia. Uma amiga te fala que fez plastica no nariz com um cirurgião maravilhoso e te recomenda.

Descobre então que foi aceita para o BBB e fica eufórica. Finalmente seus anos de esforço e dedicação deram frutos. Se não ganhar o prêmio maior, ao menos ganha uma capa na playboy.

Você vai ao consultório do cirurgião sozinha, veste seu melhor modelito ao estilo Lady Gaga e tenta cantar o médico para conseguir um desconto e poder embolsar parte da grana do papai.

No dia da cirurgia, se veste, se maquia, alisa os cabelos com chapinha, se produz toda. A euforia e a promessa de um corpo perfeito enfeitiçam seus pensamentos. Da entrada no hospital e se interna. Ao invés de fazer as 12 horas de jejum que o médico pediu, você resolveu fazer 48 horas. Afinal, não custa dar uma forcinha. Te levam para a sala de cirurgia vestindo apenas um avental e uma touca medonha na cabeça, e você num momento de lucidez se pergunta, por que diabos me arrumei toda?

Te dão a anestesia geral, e a última coisa que escuta é a voz de Freddie Mercury tocando no CD player da sala de cirurgias.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Behold the demons that I freed


— Um mundo de palavras ferinas e sorrisos cínicos, é o que lhe aguarda minha criança, não pense que o mundo é feito apenas de um belo céu azul com nuvens brancas, pastos verdes e flores coloridas. Tema o que está la fora.

O casebre era escuro, as janelas sempre meio fechadas, a pouca luz que entrava iluminava parcamente montes de papeis velhos, antigos rabiscos das ilusões a muito esquecidas. Aquele cheiro azedo de leite passado misturado ao alcatrão e perfume de lavanda.

Ela gostava de observar como a luz incidia no pó... Raios de luz que tinham a capacidade de transformar o velho e esquecido em algo novo e belo. Pequenos cristais de história que acumulavam em todo lugar. Mas bastava um pequeno movimento para alegrar o lúgubre cenário.

— Cuidado, não se mova depressa demais! Dizia a velha senhora, não sonhe muito alto pois pode cair e se machucar, minha criança.

Vivia um dia de cada vez, sempre sorrindo em seu pequeno mundo de impossibilidades, todos os dias removendo os baobás de seu pequeno planeta particular. Não admitia sonhar apesar de ser assolada todas as noites pelos sonhos mais lindos, pelas possibilidades mais fantásticas. Conversava todos os dias com seus demônios, pequenas criaturas em sua mente, com vozes e sotaques diferentes, seres de todo o mundo, de lugares que ela só conhecia através de seu sonhar.

— Sempre que passar em frente a uma sombra, atire uma pedra minha criança, isso espanta os demônios. E pedras se amontoavam nos cantos do casebre, formando pilhas dignas do melhor alpinista.

Mas Ela não temia os demônios, tentava entende-los e liberta-los. Queria que fossem livres pois acreditava que eram apenas mal compreendidos. Mas mesmo assim quando passava em frente a uma sombra, atirava uma pedra, se desculpava em seguida, pois podia ouvir o gemido que dali saia.

— O tempo minha criança, um dia eu não estarei mais aqui, e você será responsável por tudo, meus papeis, meus sonhos, você deverá continuar e fazer aquilo que eu não consegui cumprir. É seu destino, vê estes livors? Pois cuide deles, os guarde, mas não os leia nunca.

Ela organizava o caos de ideias de um passado desconhecido, cega para o que ali havia. Quando o sol começava a se por e os pequenos raios de luz morriam, sentava ao lado da lareira de pedra, o fogo apagado para não arriscar queimar o conhecimento perdido. Sentada ali tricotava uma colcha cinza, com os olhos perdidos no escuro da sala. Uma noite adormeceu ali e despertou na mesma posição, mas um ponto de luz do outro lado sala lhe chamou a atenção, era um ponto novo, que não existia antes.

— Venha minha criança, vamos cozinhar nossas batatas, levante-se. A velha em pé, parada diante da criança tapava o pequeno ponto de luz, sua voz rouca e firme era capaz de desmontar o mais sublime momento de devaneio.

Cortando batatas, contava os furinhos na casca, imaginando que poderiam conter segredos ainda não descobertos. Uma, duas, três, quinze... picava enquanto a mente vagava no mundo de possibilidades dos furinhos das batatas. Um furo, era isso. Era por um furo que a luz entrava pela parede. Naquela noite sentou-se ao lado do furo, tricotando e pensando em como aquele furo aparecera ali.

Dias se passavam, batatas, colcha, livros, pó... "Veja minha criança, escute minha criança, entenda, observe, esqueça... não pense, apenas acredite". A cada fim de tarde o furo parecia maior, e a luz que por ali entrava marcava o piso apodrecido revelando as ranhuras da madeira, cada dia mais.

— Quando tinha sua idade minha criança, o mundo era diferente. Não haviam tantos demônios a solta, e eu podia sair desta casa. — A velha adormecia sentada em sua cadeira de balanço relembrando um passado remoto. — Nunca acredite no que te contam, pode ser um demônio disfarçado, escute a voz.

Sentada ao lado do pequeno buraco que se formara passou a ouvir um ruido durante os finais de tarde, como se algo arranhasse a madeira, mas não se atrevia olhar. Sua colcha era importante, não podia deixar de tricotar. O ruido passou a ser familiar, seria um demônio, pensou. Mais um para o grupo que lhe acompanhava. Uma manhã passou pelo buraco e viu uma sombra, atirou uma pedra e escutou um gemido. Sim era um demônio. Pediu desculpas e continuou seu caminho, triste por ter que tapar a nova possibilidade que ali surgia, pois sabia que a cada manhã iria atirar mais uma pedra. Mas no dia seguinte a pedra que atirara não estava mais ali. Curiosa se abaixou e procurou, talvez fosse apenas um pedrisco teria que usar uma maior dessa vez.

Desconfie ate de si mesma minha criança, não deve nunca confiar. O mundo não confia em você, não cometa o erro de ir contra isso.

Esqueceu de atirar a pedra aquela manhã, e ao entardecer ouviu um , "obrigado". Olhou para o buraco e viu uma pequena flor de macela, amarela, com um pequeno caule verde, algo singelo, pequeno. Nunca havia ganhado uma flor, na verdade nem sabia o que era uma flor. — Eu que agradeço. Sentindo-se culpada voltou a seu tricô, não deveria ter falado em voz alta. No dia seguinte ao passar pelo buraco atirou outra pedra, mas dessa vez jogou para trás. Novamente um obrigado e dessa vez duas pequenas flores. Os dias foram passando com batatas e tricô, com poeira e dizeres amargos. E a voz que agradecia contava de um mundo colorido, de possibilidades. Falava de um casebre antigo, envolto por flores e trepadeiras que serpenteavam as paredes. Falava do sol, que brilhava do lado de fora da janela. As pedras que eram atiradas para trás iam se amontoando.

— Cuidado criança, não se iluda, não acredite, não... não... não... a voz já abafada pelas pedras lançadas ao revés.

O buraco aumentava de tamanho a cada dia, e a cada dia um pequeno buquê de macelas, uma nova história e um novo sonho. Numa tarde atreveu-se a olhar. Abaixou a cabeça e viu um pequeno coelho branco sentado sobre as patas trazeiras, com um pequeno buquê de flores na boca. Além do coelho viu o por do sol, o laranja que tomava conta do horizonte, o céu azul e os campos verdes. Soltou a colcha de tricô e deitou para observar a bela cena do entardecer, se permitiu sonhar. Admirada com as verdades que seus sonhos lhe traziam, esperando que o buraco fosse grande o suficiente para por ali passar. Passou a duvidar e questionar, e a voz da velha senhora foi sumindo em proporção a pilha de pedras no meio da sala.

Humm, hun ,hum.. crian...

Das macelas fez um travesseiro e todas as tardes se deitava sob um grande carvalho, conversava livremente com seus demônios sobre os mais diversos assuntos, sentia o vento no rosto e o aroma das rosas selvagens. Adormecia ali e sonhava com as possibilidade que aquele insistente coelho lhe trouxera.


quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sonho aos Domingos

Quando eu crescer vou ter 2 metros de altura, uma cara de má de fazer medo, vou poder alcançar o pote mais alto de biscoitos sem ter que pedir a ninguém. Quero ser piloto de avião e poder voar pelos céus sem ter hora para voltar. Entrar no meu carro e viajar pelas estradas desse mundo todo ouvindo música alta com um cigarro no canto da boca.

Terei um gato chamado Mané, com um olho de cada cor, o rabo torto e com cara bonachona. Ele vai andar na garupa da minha moto com as patas nas minhas costas, ah sim, também terei uma moto. No aquário de casa quero muitos peixes coloridos que irão nadar ao ritmo da música que eu tocar em meu clarinete. Sim clarinete, eu nem sei que instrumento é esse, mas achei o nome bonito.

Aos Domingos vou almoçar na casa da vovó e ela sempre vai fazer meu prato favorito. De sobremesa, sonhos, bombas de chocolate confeitadas com açúcar. Tudo isso quando eu crescer.

Grande merda... Agente sonha... e é apenas sonho.

Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade?

O que é afinal realidade? Palavra tão confusa, que me tira o sono e me faz repensar a vida toda.
Realidade (do latim realitas isto é, "coisa") significa em uso comum "tudo o que existe"

Mas se tudo o que existe é real, então um sonho também é real. Afinal o sonho existe, eu o tive ou tenho, seja dormindo ou acordada. Então tudo aquilo que aprendi sobre a realidade e o imaginário poderia ser descartado?

Filosofia do ilusório, se algo existe mesmo que em minha imaginação então automaticamente se torna real... momento para refletir.

Sendo assim, se quando criança sonhei que teria 2 metros de altura, quer dizer que os tenho. Mas pera ai... eu não tenho! Nem tenho cara de má, muito menos sou piloto de avião, não tenho carro, moto, nem um gato chamado Mané... hum. Também não toco clarinete, nem como bomba de chocolate aos domingos.

Realidade mentirosa...

sábado, 5 de junho de 2010

Tecelã

Foi-se pela vastidão do descampado, o sol a frente morrendo por trás dos montes ressequidos. Na mão um cantil, poucas gotas d água para saciar a sede de uma vida inteira. Os pés pesados de tanto caminhar não eram mais capazes de carregar o peso quase morto. A lua começava a aparecer, seu brilho a se destacar com o cair do dia. O vento frio vindo do norte trazia um cheiro acre e o desgosto da derrota.

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Flâmulas tremulavam em torno da fogueira, o calor do fogo e do vinho, homens sorrindo e cantando, satisfeitos com os despojos e as mulheres. O sol se punha por trás dos montes de um amarelo dourado, refletindo o ouro das conquistas e a glória alcançada. Barrigas cheias e sorrisos gratuitos. O vento vindo do norte trazia o cheiro doce da vitória e com ele a promessa de um futuro grandioso.

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Observava tudo do alto, movendo os fios da trama da vida. Um sorriso infantil refletido nas águas do mirante. Um pequeno deslizar de dedos sobre a fibra macia...