Ainda escrevendo...
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Sentada num banco de praça, em meio a pessoas, pombas e crianças alegres de nariz escorrendo, ela pensava na vida, e no que fazer em seguida.
Os últimos acontecimentos estavam martelando como uma banda inteira dentro de sua cabeça, milhões de coisas a resolver e nenhuma solução coerente.
O último verão havia sido impiedoso, muitas coisas haviam mudado em sua vida, sem aviso prévio e ela ainda não tinha conseguido colocar as coisas em ordem, na verdade andava fugindo disso.
Ali sentada, observava as mamães sorridentes e cansadas, olhando seus filhos esfolarem o joelho na areia suja do parquinho. E pensava que talvez um dia, num passado distante, poderia ser ela a fazer isso. Mas a vida havia lhe levado para outro rumo. Algumas decisões erradas, um punhado de situações inusitadas e muita falta de bom senso.
Após algumas horas sentada ali, tentando colocar as coisas em ordem, separar os pensamentos em sua cabeça, resolveu ir para casa, já estava começando a cair a tarde, e o friozinho do inicio do outono já mostrava sua cara.
Recolheu o jornal que havia deixado espalhado no banco, enfiou em baixo do braço e saiu caminhando rumo a saída do parque. No caminho não pode deixar de notar que todos pareciam seguir suas vidas como formigas, em uma rotina diária,que não se alterava além do sabor do refrigerante nos casos mais ousados.
Pareciam inclusive andar em fila indiana, com movimentos mecanizados e sincopados, seguindo um ritmo que não era o dela. Enquanto caminhava, o ritmo imposto pelas pessoas na rua parecia fazer ruido, como um bumbo que tocava ditando o ritmo dos remadores nos navios. E o som foi ficando cada vez mais claro, e em meio a cadência, já era possível ouvir ordens. -- Faça isso, corte aquilo, puxe lá, mais rápido!
Ela era alérgica a rotina, a qualquer forma de rotina, nunca tomava o mesmo caminho para um lugar duas vezes seguidas, variava os lugares onde fazia compras, tudo que pudesse impedir o marasmo e a falta de criatividade.
Odiava filas, bancos e qualquer outro tipo de lugar burocrático, tudo que a fizesse se sentir um número. Curiosamente aos 16 anos, escondida de seus pais, tatuou na nuca um código de barras em protesto silencioso a pasteurização da sociedade.
No auge de seus 32 anos, já havia se conformado que não iria se casar, nem ter filhos, não seguia a moda, nem qualquer tendência passageira, e tinha uma ojeriza especial pelo lixo tecnológico imposto pela mídia. Computadores, celulares, GPSs, tudo muito rápido, muito inútil e exagerado. Plástico desperdiçado e milhões de chineses e coreanos estressados e mal pagos. Seu ex marido dizia que ela tinha um tal de TOC ( transtorno obsessivo compulsivo) por fugir de padrões e normas, que tirando as leis ela transgredia qualquer coisa na tentativa desesperada de ser diferente de todo o resto.
Chegando a portaria do prédio onde morava, um daqueles prédios antigos, com apartamentos enormes, mas que tem um aluguel proporcional ao número de furos no encanamento e ratos na garagem, foi parada pela sindica, uma senhora já de certa idade, mas que fazia questão de aparentar tem 25 anos a menos. Obviamente que ela não conseguia, mesmo em baixo de todo o reboco que passava na cara.
--Minha querida, boa tarde, preciso lhe avisar que amanhã teremos manutenção no encanamento do seu bloco, então sugiro que se abasteça de baldes, pois pode levar o dia inteiro. A "caridosa" velhinha, que era conhecida como a única beneficiada do mensalão do condomínio na zona oeste de SP, sorria de maneira quase gentil, de baixo das 5 aplicações de botox pagas com a mensalidade dos condôminos.
Sem dar atenção a síndica, Ela apenas assentiu com a cabeça sem lhe encarar, não queria dar margem para um diálogo, já sabia muito bem o tipo de conversa que viria em seguida. Pensava apenas, -- não faça contato visual, continue andando e fique firme.Seguiu caminhando com passos largos ate a segurança do elevador, onde apesar de saber que o porteiro a estava espiando e babando em seu decote, ela sentia que estava a salvo da síndica e dos vizinhos. Afinal em elevador ninguém passa de um "Bom dia", ou um "Nossa vai chover de novo".
Desceu no 8º andar, e colocou a chave na porta, girou o trinco e deu de cara com o caos de seu apartamento. Coisas espalhadas por todo lado. Livros empilhados em lugares estranhos,CDs fora das caixas, roupas pra passar sobre o sofá antigo, que mais parecia ter saído de um filme de época. A sala espaçosa permitia que os objetos fossem dispostos como se tivessem sido lançados por um tornado, caindo ao acaso por todo canto. Mas Ela sabia exatamente onde estava cada coisa. Uma vez uma amiga pensando em ajudar, mandou uma faxineira pra arrumar a casa. Realmente, o apartamento ficou lindo, organizado, quase habitável. Mas rendeu dias de desespero a sua inquilina. Achar as anotações de trabalho foi impossível. Ela sempre fora adepta da bagunça organizada.
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